16.1.09

VERT. ROUGE.

MAGRITTE, THE LOVERS

Era uma nova marca de refrigerantes. ‘Menos uns corantes, mais uns corantes, é tudo igual, não é Manuela?’
´ ‘Sim…’ e ri-se.
E ficam a matutar em silêncio sobre estas sábias considerações. Está frio. Aquele frio matinal que desperta. É um frio motivacional, cocaína ambiental. Sem hemorragias nasais, nem noites por dormir. Apenas uma ligeira nostalgia dos dias em que se acordava cedo para apanhar a “carreira” para a escola e um odor da inexorabilidade da vida. Sim, porque o frio mata as plantas. É a geada.
Passeiam-se pelos corredores, enquanto bebem o leite com chocolate. Lembram-se do tempo em que bebiam leite com chocolate nestes corredores. Quando tinham menos uns centímetros e configuração neuronal ligeiramente diferente. Mais plástica é certo, mas muito incipiente, especialmente no caso do Pedro. O Pedro sempre foi atrasado. Nas corridas, nos testes, no crescimento. Isso pensam eles. Sim, tens razão, Pedro. Ninguém te conhece bem. Ninguém se dá ao trabalho. Bando de paspalhos, que só sabem é correr e aproveitar o que chamam de vida. Pelo menos, eu corro parado. Mas tudo depende do referencial, não é? Talvez. Estaremos no mesmo?
‘Não tenho saudades da escola. Só queria que tivesse sido diferente. Como os filmes, ou as séries de televisão. Foi rápido, foi demasiado convencional. Gostava de ter nascido no Japão, nos Estados Unidos. Talvez fosse tudo diferente.’
‘Mas não te chamavas Manuela, nunca me terias conhecido.’
‘Teria conhecido outras pessoas. Bem, não digo que preferia ter nascido noutro país. Só digo que deveria ter sido interessante, como um filme que se vê no cinema.’
Eu, às vezes, vivo mais no cinema do que nestas manhãs de Inverno, pensava Pedro, um pouco frustrado. Aliás, acho que não gosto do que chamam viver. Mas também não conheço outra forma de viver.
‘Tens ido ao cinema? Podíamos ver qualquer coisa. Dá-me o jornal.’ Sim, sortiam-se setas na mente dele. Cinema, arte, outras pessoas, outros países, outras formas de vida. Sim, preciso de me extrair um pouco nos outros. Peças de lego para mais tarde construir.
Não me apetece ir ao cinema. Simplesmente sentar-me numa mesa de café, enquanto as pessoas agasalhadas passam na rua, miragens de carros e alguns bichanos ocasionais. Mais nada, horas gastas em conversas nulas, silêncios que significam tudo. Este quadro estético, este despertar de sentidos, este ocupar de tempo. Era uma ideia que agradava a Manuela. Aprazia-lhe também a noção de conteúdo temporal nesse espaço físico concreto. Quase que conseguia agarrar esta tarde com as mãos. Quase que se recordava dessa tarde futura.
‘Não preferes sentar-te num café, abrigadinho?’ seduzia a Manuela.
‘Talvez, mas acabámos de lanchar…’
‘Então, mais tarde, podemos ir agora ao cinema. Claro que sem pipocas, acabámos de lanchar.’

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