10.6.09

De tempos em tempos ele abria os olhos. E sentia-se ansioso, por toda a vida que não tinha vivido e por toda a vida que não iria conhecer. Momentos de curta duração, sim, momentos, algo diferente de intervalos de tempo. Somente estados de espiríto, leves e solúveis como tudo o que de inexpectável surgia na sua vida. A rotina e a sociedade exprimiam-se numa matriz em que nada se precipitava. Tudo seguia o seu curso. Todas as oportunidades eram desperdiçadas, precisamente pelo valor que dava ao movimento aparente. Tinha medo de parar, de contemplar, de se perder, de perder a carruagem. O momento passava, o relógio voltava a engrenar, e finalmente ele fechava os olhos, dormindo, calmamente até um dia destes. Lembrava-se do sábio japonês que havia cortado as pálpebras para nunca adormecer. Tinha medo de ferir a vista. De secar a vista. Parece um paradoxo, mas sem adormecer, nunca teria a certeza da realidade. Por esse motivo, sente-se grato por conseguir dormir, mesmo que em demasia. E que loucura pensar que algo de bom viesse da violência. Interrompe-se, e fica a pensar no que houvera pensado. Sim, o momento passara, a sua mente dispersava-se por inúmeras memórias, condicionamentos e toda aquela elevação desvanecia-se, como o sabor de uma sobremesa excepcional, após um almoço entre amigos. Não se sentia nervoso, pois sabia que outros momentos o aguardavam. Por agora, as circunstâncias exigiam que se esquecesse disto tudo, que se concentrasse na sua vida vulgar, que se definhasse, que evitasse dispersões. Este choque, esta premonição sobre o abismo que se esperava no resto da semana, deixou-o nauseado. A comida ainda se debruçava no estômago, abundâncias tristes e repetitivas. Ia acabar com tudo. E já que percebera que nada tinha significado, de que servia continuar a viver como se tudo fosse tão sério, tão certo, tão definido. A vida é uma reacção química, com o seu tempo próprio. Seguir sempre as mesmas medidas estequiométricas surge-lhe como algo impossível, pelo menos hoje. Aliás, é algo imoral. Algo que ainda o coloca mais nauseado. A morte, não a morte, mas sim a fila interminável de dias vazios. As mesmas conclusões, discursos, os mesmos comprimentos de onda e contornos, as mesmas ruas, mesmo que sejam outras. Precisa de viver as horas escondidas. Que tédio, apetecia-lhe destruir os delicados fios que sustentam a sua vida como é definida hoje e ontem e, muito provavelmente, nos restantes dias da semana. Ver o sangue escorrer, mas sem gritos, sem sofrimento, somente a destruição, o espaço para algo novo e a vingança do que se tinha tornado.

2 comentários:

Daniel C.da Silva disse...

OLá

Bem, tenho-te andado a perder... este texto está comprido mas excelente. Ligeiramente abstracto, autobiografico ou intencionalmente assim. Queria fazer algumas citações mas fico-me por esta:


"A morte, não a morte, mas sim a fila interminável de dias vazios. As mesmas conclusões, discursos, os mesmos comprimentos de onda e contornos, as mesmas ruas, mesmo que sejam outras"

Grande abraço, amigo. Tinha saudades em visitar-te (apesar de ir vendo o que vais postando)...

Ate ja * :)

Heartbeats disse...

=) um grande abraço