20.1.11

Ficaste inibido com compromissos intelectuais e culturais. A tua liberdade confinada em palavras que surgem inspiradoras. É no silêncio, na água dos charcos, no calor da aragem, na sonolência irresponsável que te tornas no aventureiro de tempos mais ingénuos e vigorosos.

Gripe, influenza. A irresponsabilidade do leito mórbido providencia alento. A remissão é relativa no retorno à civilização. Preferia as torradas, a imobilização térmica, por mais alguns dias. Retornar ao ritmo dos subúrbios existenciais. Abrir as asas, fechar as asas, abrir as asas, fechar as asas. Fechar os olhos nas televisões e fórmulas e eventos programados e conversas de refeição.

És uma projecção, eras um prémio, uma possibilidade. Significavas locais, descobertas, novos eus. Provavelmente só isso. Quedas prenunciadas pelo teu olhar vazio, pela inibição corporal, pelos pedaços projectados por ti. Eu percebia claramente o cinematográfico em ti.

Lágrimas que se perdem na rotina e que te diluem. Permanece a tua memória na tua presença; não te permito mais e, por isso, os silêncios.

As descobertas são maculadas. Talvez um dia me decalque.
Me decalque também deste futuro. O vigor perde-se em berços dourados.

Frequentemente, as ondas batem-me nas pernas. Andamos de mãos dadas. O céu em tons fotográficos. As barrigas crescidas, as revistas espalhadas na areia. Mãe, gostei de comer bolas de berlim, das bandas desenhadas que li, das dunas, das músicas de areia e asfalto.

E os anos passam, misturados em azeite com batatas cozidas e papéis relidos. Papéis caracterizados pelo sol, pelos vincos e pausas para respirar.

Escrevo hoje a tosse e o desalento prévio à tosse. Desalento que susceptibilizou à tosse. Tosse que não expulsou o desalento. Pensei o reactivo, mas simples epifenómeno.

Redundâncias que se tentam anular, ou talvez suscitar.

Vou jantar bifes grelhados com arroz. O cheiro e o sabor entranham-se e misturam-se com a odinofagia. Memórias de rotinas alimentares.

Tusso palavras, com a expectativa de ficar vazio e mais receptivo, um receptáculo, um opiáceo. Não, queria que me bastasse tocar nas cores definidas do céu, nas aves rasteiras, na aridez do solo, do asfalto, dos cabelos e faces eritematosas das senhoras gordas, do sexual existente na cidade pulsátil, simples contemplação. Mas isso é contaminado com desejos implantados e impossíveis de satisfazer, no contexto actual. Actualizáveis, desvirtuariam a descoberta. Por isso, a inquietação tem de desaparecer. Inquietação que é distinta de amor, ódio ou movimento. Simples roldanas que trucidam os membros invisíveis e nos tornam autómatos incapazes de automatismos, efeitos adversos civilizacionais.

Gritar palavras. Mas que palavras? O silêncio é impossível, a inércia assustadora. Mas o céu permanece, o chão permanece, referenciais morais que nos levantam sorrisos, que nos relembram sentimentos.

Sem comentários: