24.4.10

As linhas rectas escondem-se na pesada abstracção musical, no cansaço escorrido, arrastado, não somente diário, planetário, sem destinatário. As águas batem nas rochas, cada vez mais rapidamente. Nem me apercebo das pausas. O rebentamento surge contínuo, sem qualquer sentido, nestes estados mentais inevitáveis, insuportáveis. A vida surge-me como elemento civilizacional. Como pedra no sapato, que se sente, mas não existe tempo... Estou atrasado para o autocarro. Corre, corre, sempre atrasado. Podia acordar mais cedo, e até acordo. Mas sempre atrasado, o banho prolonga-se. Dizes-me que nunca te atrasavas, eu também não. Mas acho que não perdi as maneiras com a faculdade. Não me digas isso, por favor.

Eu sei que me acomodei à tua desorganização momentânea. Sei que te erguerias disciplinador. Agradecimentos recíprocos e uma memória em technicolor. O mundo surge diferente, desbravaste terrenos, criaste cidades e um novo paradigma impulsiona-me.

Eu acredito na incerteza. Na possibilidade do mundo me fragmentar indeterminadamente, até finalmente poder ter uma conversa a sério com ele.

Já não escrevo há tanto tempo, que já não sei o que pensar. Uma fábrica há muito abandonada, enferrujada. Gostava da sua eficiência prévia. Do seu fulgor fumegante, irracional, talvez um pouco mais estésico. Tornei-me pragmático. Os silogismos pertenciam a dimensões inexistentes, artifícios inteligíveis nas horas certas, mas de certo modo, nunca praticáveis. Não nego, nem afirmo utilidades. São apenas brisas, chuva, modelagem de paisagens. Qualquer dia, vou lembrar-me de olhar em outras direcções. Talvez me espante com a capacidade de processar o nunca visto. Ou talvez, a ausência de estimulação infantil seja determinante. A civilização cria e mata mundos. Finalmente compreendo o horror da globalização, genocídios existenciais. Odores para sempre perdidos, visões para sempre perdidas, formas de tocar, formas de morrer.

2 comentários:

Daniel C.da Silva disse...

Estou seriamente impressionado com a leitura. É forte, sentida, aclamante, visceral, e ecoa! Ainda ouço o som do eco. Vou reler. DEixo-te um abraço. Assim **____

Heartbeats disse...

Lobinho,

Obrigado. Já há muito que não conseguia escrever. Talvez seja bom o tempo para fervilhar.

Grande Abraço